sábado, 8 de agosto de 2009

Ditadura Galáctica

Se hoje o Real Madrid é o símbolo maior do poder econômico de um "clube-empresa", há algumas décadas, na Espanha de Francisco Franco (1939 a 1975), esse clube representava outro tipo de poder: o poder político de uma ditadura militar. Apesar de os madridistas não concordarem com essa associação, nos meios futebolísticos espanhóis o time da capital era visto como o clube do regime.

(Francisco Franco, El Generalíssimo)

Contava-se que em seu estádio havia uma tribuna envidraçada de onde o ditador assistia às partidas sem ser visto. Além disso, o mesmo arquiteto que projetou o Valle de Los Caídos (monumento à memória dos mortos na Guerra Civil que, posteriormente, seria o túmulo de Franco) participou da comissão de obras do novo estádio do Real, o Santiago Bernabéu. Esse nome fora dado à nova casa madrilenha em homenagem àquele que presidiu o clube por 35 anos e que, apesar de se declarar apolítico, fugira da cidade de Madri dominada pelos republicanos em 1936, alistara-se no exército nacionalista e nunca escondera sua simpatia pela monarquia.










(Valle de Los Caídos e o Estádio Santiago Bernabéu)

Embora negasse qualquer identificação com algum clube, a ditadura franquista reconhecia no Real Madrid duas características importantes do ponto de vista político: seu nome (Franco combatera a instauração da República) e sua origem castelhana. E, de fato, Franco aproveitou a popularidade nacional e internacional desse time como propaganda positiva do fascismo espanhol.

Um episódio polêmico ocorrido em 1953 com o jogador Alfredo di Stéfano é um bom exemplo da estreita relação entre futebol e política na Espanha franquista. O craque argentino tinha seu passe envolvido numa confusa transação entre River Plate, Millonarios, Real Madrid e Barcelona. Ele chegou a disputar alguns amistosos pelo clube catalão, mas a diretoria madrilenha não desistiu de contratá-lo e as autoridades desportivas decidiram por fazer o jogador atuar uma temporada em cada time, alternadamente, até se encerrar o contrato de quatro anos. Porém, o Barcelona não aceitou esse acordo e Di Stéfano fechou com o Real. Muitos atribuem à essa decisão o fato de Franco interferir diretamente na negociação, embora os madridistas neguem, inclusive Di Stéfano.

(Di Stéfano com as 5 Champions Leage que conquistou com o Real Madrid)

No entanto, Franco não foi o único a utilizar um clube nacional de grande apelo popular para se promover. Outros ditadores como Salazar (Sport Lisboa e Benfica), Hitler (Shalk 04) e Médici (Flamengo) também se associaram direta ou indiretamente aos times mais populares de seus países com objetivos políticos. Pode-se dizer que hoje, embora não seja um ditador, até o nosso presidente Lula usa essa estratégia com o Corinthians, fazendo o possível para ter sua imagem associada ao clube de segunda maior torcida do país. Fica claro, portanto, o poder simbólico que o futebol exerce também na política.

14 comentários:

  1. muito bom, seu blog.....
    se possível, acesse meu blog: http://row51.blogspot.com

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  2. Muito legal o post. A popularidade que o futebol traz sempre é bem vista com bons olhos do ponto de vista dos governantes.A própria ditadura brasileira usou o "milagre ecônomico" aliado com a Seleção de 70 para mostrar os "benefícios" do regime.

    Bela abordagem e boa sacada.

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  3. Até que enfim vc voltou a nos brindar com mais um post hein Lara? rsrs

    SRN Bjão

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  4. Caraca, agora reparei, o Franco é igualzinho ao Felipão! kkkk

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  5. Um dos seus assuntos preferidos, né ? Falar da ditadura.
    Achei muito bom o post !

    Interessante que não sabia que o Médici era flamenguista e que usou o time para se promover ..

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  6. No se portugues asique voy a comentar en castellano.

    Te felicito, tu blog es de los mejores que vi.
    Podrías agregar el caso de los clubes River Plate e Independiente con la dictadura militar de Argetina y de Boca Juniors y su relación con el político y empresario de derecha, el Jefe de Gobierno de Buenos Aires, Mauricio Macri.

    http://futbolenlascalles.blogspot.com/

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  7. Los puse en el blogroll en la lista de links, ¿pueden poner mi blog?
    saludos!

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  8. Lara,
    Vale lembrar também do Berlusconi e o Milan.

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  9. Olá Lara!
    eu curso ciências sociais na ufs e tenho um grande interesse no futebol como uma realidade social, cultural e, claramente, política. Por isso que eu gosto muito do seu blog.
    Mas, uma coisa, eu não sabia que o Hitler se utilizava da popularidade do Schalke 04, você poderia me indicar sua referência bibliográfica, até p/ eu dar continuidade no meu tcc?

    P.S.: Por favor me responda pelo e-mail: lucasmeloelderane@hotmail.com

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  10. O San Mamés (estádio do Athletic Bilbao) e o Camp Nou (do Barça) se tornaram grandes palcos da resistência á Ditadura Franquista... Dá lhe Barça e Athletic!!!

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  11. É não sou nem um pouco fã de Lula, mas ele se assumi corinthiano a mais tempo do que os outros "líderes" citados. E trabalha a sua posição como torcedor, casos outros existiram como o de Peron na Argentina que até "selecionava" os jovens de sucesso para jogar em seu clube de coração...mas é interessante o texto, muito bom e coeso.

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  12. Post interessante, no entanto não resisto a efectuar uma pequena correcção, assim como acrescento uns dados à história.

    O Benfica foi usado pelo regime na década de 60, da mesma maneira que na década anterior o Sporting tinha sido usado. O Benfica durante os anos que vigorou o Estado Novo, conseguiu ser a única organização cujos órgãos sociais eram eleitos democraticamente, algo que ia contra a própria natureza corporativista do regime. Durante a a década de 30 e 40, o clube devido a ter tido presidentes operários que professavam ideais anarquistas, acaba por ter imensas dificuldades para estabelecer o seu próprio campo - algo que apenas aconteceria na década de 50 sem ajudas do Estado Novo e com recurso aos sócios (ao contrário dos rivais Sporting e Porto).

    Mais factos engraçados sobre Benfica: o primeiro hino do clube que há memória chamava-se "Avante Benfica", sendo censurado devido ao cariz proletário e comunista que se atribuiu à palavra avante; aquando da vitória dos Aliados na 2ª Grande Guerra, o Benfica e bandeiras do clube foram usadas pelos simpatizantes comunistas para expressar a sua satisfação nas comemorações públicas do evento, contornando assim a polícia política; já na década de 60, aquando da 1ª Final vencida da extinta Taça dos Clubes Campeões Europeus, ao Benfica foi-lhe negado o adiamento da final da Taça de Portugal, que tinha sido marcada...para o dia seguinte. Isso leva a que a equipa principal estivesse ainda em Berna e o clube tivesse alinhado com uma equipa de recurso na outra competição - o que convenhamos, contradiz a dita teoria de clube do regime; o Estádio da Luz, construído em 1954 com o dinheiro dos sócios e simpatizantes, apenas receberá um jogo da selecção nacional em 1972 (!?!), numa fase já decadente do regime ditatorial do regime proto-fascista que vigorou em Portugal durante 48 anos.

    Obviamente, que sendo um clube com uma matriz extremamente popular (ao contrário do Real por exemplo), é natural que, com o êxito da equipa e o crescente isolamento internacional de portugal na cena internacional, o Benfica tivesse sido usado pelo regime para projectar uma imagem de modernidade. Mas daí a chamar clube do regime, vai uma longa distância. (cont.)

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  13. (cont.)
    Feito este retrato do Benfica, do Real Madrid é sabido que Bernabeu era um simpatizante falangista. E é verdade a questão do cimento - material raro na época no país - usado no Vale dos Caídos é igualmente usado na construção do seu estádio. Mas o Madrid, da mesma forma que depois é usado pelo regime franquista como pleno embaixador e veículo da pujança espanhola, durante o regime republicano de 36 a 38 (com o exílio de Bernabeu) estruturou-se como um clube de matriz soviética privilegiando ginástica. Quando os nacionalistas entram na cidade em 1938, as cúpulas dirigentes do clube desta altura são executadas. Regressando ao Real da época de Franco, poucas provas há de claro favorecimento ao clube durante o regime franquista. Objectivamente o Barcelona e outras equipas não deixaram de ganhar o título ou a Taça do Generalíssimo. À parte da isenção de restrições para compra de luxos para segurar estrelas estrangeiras, poucos mais favorecimentos claros foram comprovados. O caso Di Stefano é interessante. Jogador argentino, sai do River devido a depressão económica no país e vai o "El Dorado" colombiano - numa altura em que a federação colombiana começa a recrutar e aliciar jogadores estrangeiros para o seu campeonato, facto que veleu um litígio com a desde sempre conservadora FIFA. Em 1953 após uma tour mundial do Millonários, fica em Espanha, sendo disputado entre Barça e Real. Devido ao maior poder económico dos segundo opta por estes.

    É preciso ter em conta que o Real sempre foi um clube com uma matriz média-alta, em contraponto ao mais popular Atlético Madrid. Por outro lado, com as tais facilidades concedidas, tornou-se fácil atrair para si as grandes estrelas da época. Daí ter tido grandes conjuntos recheados de grandes jogadores como os espanhóis Amancio, Gento e Muñoz, ou estrelas como Raymond Kopa (francês de origem polaca), Puskas (o maior talento da super Hungria de 50) ou a maior estrela de todas, o grande Di Stefano. Até Didi, o motor do vosso Brasil de 58 passou pelo clube. Ontem como hoje, a matriz do sucesso do clube foi a mesma: juntar e pagar a grandes estrelas.

    Quanto ao Schalke, trata-se de um clube sui generis. Fundado em 1904, numa área mineira de rápida industrialização, cedo tornou-se no vínculo agregador de milhares de migrantes que afluíram à área. É preciso ter em conta que antes da efectiva democratização do jogo, o futebol era um jogo altamente elitista. Se a 1ª Guerra Mundial representa até certo ponto a ruptura com este paradigma, na Alemanha de Weimar esta divisão persiste até meados de 20's. O Schalke segundo relatos da época, devido à rudeza dos seus apoiantes e ao seu estilo directo de jogo, não era muito apreciado pelos clubes mais burgueses. A ascensão do Schalke ao primeiro patamar do futebol alemão ocorre assim com a progressiva ascensão do regime nazi ao poder. Os nazis numa primeira fase não ligavam muito ao futebol e até tinham uma visão algo idílica do mesmo sendo tendencialmente contra a profissionalização do mesmo. No entanto, a instrumentalização do jogo feita pela Itália fascista com o apogeu na conquista do Mundial'34, mas acima de tudo o vexame que foram as derrotas com o Wunderteam austríaco no início da década de 30, rapidamente fizeram repensar essa opinião. (cont.)

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  14. (cont.)
    Futebol, começa assim a tornar-se um veículo do regime, com a colocação de quadros do partido nos principais clubes. O Schalke tendo em conta tudo isso, consolida o seu poder na mesma altura. Pese o seu presidente tenha cometido suicídio na capitulação alemã em 45 - a maior razão que se aponta para efectuar tal acusação, creio ser um pouco exagerado olhar um Schalke como protegido do regime nazi, numa época em que quase todos os clubes alemães estavam controlados (curiosamente nesse aspecto o Bayern Munich era quase um oásis na época).

    Tudo isto para mostrar que a instrumentalização política do desporto sempre foi efectuada, usando como veículos os clubes cujo sucesso desportivo era evidente na época em que isso ocorria. E isto ocorre quer em regimes ditatoriais, quer em plenas democracias.

    Existem inúmeros casos e creio que poderia encher dezenas de caixas de comentários com inúmeros exemplos. Mas daí até acusar os clubes de terem uma dada orientação ou terem beneficiado de tal facto, creio que isso vai além de uma breve constatação e convém ter sempre em conta as circunstâncias em que tal ocorreu.

    Finalizo, dando como exemplo a vitória do Brasil'58 e mostrando também que esta é em parte fruto de circunstâncias históricas e políticas.

    O suicídio de Vargas em 1954 (creio) e o fim do vosso Estado Novo, a eleição democrática Kubitschek em 1956 e a sua política de atracção de multinacionais e grandes obras públicas, um maior desanuviamento económico e social, que permitiu ao futebol importar conhecimento táctico de treinadores estrangeiros (exemplo o húngaro Bella Gutmann - que viria a conquistar duas Taças dos Clubes Campeões Europeu pelo Benfica) que trouxeram um enquadramento científico ao jogo, permitindo potencializar o potencial futebolístico existente.

    Paralelamente a esta melhoria de condições, a eleição de Havelange com presidente da confederação tornou-se decisiva. O bem relacionado Havelange acaba por providenciar pela primeira vez condições ímpares (que nenhuma selecção brasileira até aí tivera) que em última instância acaba por resultar no título conquistado na Suécia.

    Umas breves linhas, apenas para registar que efectivo controlo dos clubes por parte de regimes ou Estados foram aqueles exercidos pelos regimes comunistas totalitários existentes em muitos países para lá da Cortina de Ferro. A própria nomenclatura de muitos deles demonstra isso mesmo (os Dínamos eram clubes da Polícia ou ministério do Interior; os CSKA's eram os clubes do exército, etc.). No entanto, creio que o exemplo máximo aconteceu mesmo na ex-RDA: Dínamo de Dresden equipa vencedora de campeonatos no final de 50 foi literalmente transladada para a capital, sendo fundado o Dínamo de Berlin. A razão: a capital necessitava de mostrar pujança e assumir-se como centro de poder, repercutindo-se isso a nível desportivo.

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