segunda-feira, 17 de agosto de 2009

África do Sul, do Apartheid, do Futebol!


Desde o final da II Guerra, com a tomada do poder pelo Partido Nacional, a África do Sul ficara rotulada como a capital mundial da segregação racial. Hoje, superadas as diferenças e reestabelicida a democracia, o país foi escolhido para sediar a próxima Copa do Mundo de Futebol em 2010, e assim mostrar para o mundo que é uma nação livre do preconceito e da discriminação.

No entanto, no final da década de 1940, a política segregacionista instituída com o Apartheid atingiu a todos os setores da sociedade sul-africana. O meio esportivo, por sua vez, não ficou impune às determinações desse regime. Em 1976, o presidente Pieter Botha aprovou um pacote de medidas estabelecendo novas regras para a estrutura esportiva do país, tais como:

1. Cassar as federações unificadas e criar associações específicas para mestiços, indianos e africanos;
2. Criar novas federações raciais, impedindo associações livres;
3. Financiar e ajudar a composição de uma elite negra, reconhecendo sua existência como forma de manter o status quo, e justificando a política segregacionista do regime.

Se até então a Federação Sul-Africana de Futebol estava suspensa do quadro da FIFA, essas proposições foram determinantes para sua expulsão da entidade. Nesse contexto, o futebol transformou-se num dos principais catalisadores da luta contra o Apartheid, tendo como ponto de referência um clube em especial, o Winnie Mandela Football Club. Winnie era o nome da mulher de Nelson Mandela, homem que liderou a luta pela redemocratização africana, e seu time serviria como refúgio para líderes políticos e sindicais perseguidos pelo regime.



(Os Bafana Bafana com o líder Nelson Mandela)


Em 1991, enfim, com a extinsão do Apartheid, a África do Sul seria readmitida no cenário esportivo internacional, sendo aceita de volta pela FIFA em 1992. Com a vitória de Nelson Mandela, a Bafana Bafana (apelido pelo qual é conhecida a seleção nacional de futebol e que significa "garotos", em uma das línguas negras) se tornaria um poderoso fator de coesão nacional, uma das bases da democracia sul-africana. É possível perceber o valor dessa seleção para a nação sul-africana a partir da declaração do ex-técnico, Clive Barker, após a inédita classificação da África do Sul para uma Copa do Mundo, que aconteceria em 1998 na França:

"Hoje eu me sinto mais participante em relação à causa promovida por Mandela. Esta qualificação é a nossa contribuição. Vocês sabem, a Bafana Bafana é o símbolo da democracia sul-africana. O rugby é branco. O cricket é branco. Nós representamos todas as camadas da população. Nós somos a equipe do povo."

Nessa atmosfera de revolução surgiu um partido político um tanto quanto curioso, o Partido do Futebol, que anunciava em seu manifesto:

As manobras dos partidos políticos majoritários para conquistar o poder, particularmente nestes tempos incertos de mudanças, provocam grandes divisões no povo. Nós acreditamos que a liberdade e a verdade triunfam quando a alegria a unidade e a dignidade são os denominadores comuns de uma sociedade. O Partido do Futebol defende o desenvolvimento de uma nação unificada sobre uma plataforma de proposições que venham do esporte, da música e das artes. Estes domínios colocam de lado as divisões políticas e tocam as pessoas na vida cotidiana. Eles criam otimismo, espírito de equipe, confiança e unidade. Uni-vos em torno de seus interesses comuns.


(Seph Blater, presidente da FIFA, anuncia a nova sede do Mundial de Futebol - África do Sul)

E foi com esses ideais de liberdade e igualdade que a África do Sul conquistou o direito de sediar o maior evento esportivo do planeta, a Copa do Mundo de Futebol, que pretende apresentar para o mundo uma nova África, não a África do Apartheid, do preconceito racial, mas a África da alegria, da igualdade, do futebol.

sábado, 8 de agosto de 2009

Ditadura Galáctica

Se hoje o Real Madrid é o símbolo maior do poder econômico de um "clube-empresa", há algumas décadas, na Espanha de Francisco Franco (1939 a 1975), esse clube representava outro tipo de poder: o poder político de uma ditadura militar. Apesar de os madridistas não concordarem com essa associação, nos meios futebolísticos espanhóis o time da capital era visto como o clube do regime.

(Francisco Franco, El Generalíssimo)

Contava-se que em seu estádio havia uma tribuna envidraçada de onde o ditador assistia às partidas sem ser visto. Além disso, o mesmo arquiteto que projetou o Valle de Los Caídos (monumento à memória dos mortos na Guerra Civil que, posteriormente, seria o túmulo de Franco) participou da comissão de obras do novo estádio do Real, o Santiago Bernabéu. Esse nome fora dado à nova casa madrilenha em homenagem àquele que presidiu o clube por 35 anos e que, apesar de se declarar apolítico, fugira da cidade de Madri dominada pelos republicanos em 1936, alistara-se no exército nacionalista e nunca escondera sua simpatia pela monarquia.










(Valle de Los Caídos e o Estádio Santiago Bernabéu)

Embora negasse qualquer identificação com algum clube, a ditadura franquista reconhecia no Real Madrid duas características importantes do ponto de vista político: seu nome (Franco combatera a instauração da República) e sua origem castelhana. E, de fato, Franco aproveitou a popularidade nacional e internacional desse time como propaganda positiva do fascismo espanhol.

Um episódio polêmico ocorrido em 1953 com o jogador Alfredo di Stéfano é um bom exemplo da estreita relação entre futebol e política na Espanha franquista. O craque argentino tinha seu passe envolvido numa confusa transação entre River Plate, Millonarios, Real Madrid e Barcelona. Ele chegou a disputar alguns amistosos pelo clube catalão, mas a diretoria madrilenha não desistiu de contratá-lo e as autoridades desportivas decidiram por fazer o jogador atuar uma temporada em cada time, alternadamente, até se encerrar o contrato de quatro anos. Porém, o Barcelona não aceitou esse acordo e Di Stéfano fechou com o Real. Muitos atribuem à essa decisão o fato de Franco interferir diretamente na negociação, embora os madridistas neguem, inclusive Di Stéfano.

(Di Stéfano com as 5 Champions Leage que conquistou com o Real Madrid)

No entanto, Franco não foi o único a utilizar um clube nacional de grande apelo popular para se promover. Outros ditadores como Salazar (Sport Lisboa e Benfica), Hitler (Shalk 04) e Médici (Flamengo) também se associaram direta ou indiretamente aos times mais populares de seus países com objetivos políticos. Pode-se dizer que hoje, embora não seja um ditador, até o nosso presidente Lula usa essa estratégia com o Corinthians, fazendo o possível para ter sua imagem associada ao clube de segunda maior torcida do país. Fica claro, portanto, o poder simbólico que o futebol exerce também na política.